Plano de Dilma para erradicar pobreza põe em xeque modelo de reforma agrária
Por: Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo
Estrela das mais brilhantes no início do primeiro mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva, em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário adentra
o governo de Dilma Rousseff em meio a uma polêmica envolvendo seu papel
no programa de erradicação da miséria - que está sendo desenhado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social.
A polêmica teve início dias atrás, quando, ao ser convocado para
apresentar sugestões para o programa, técnicos do Desenvolvimento
Agrário apresentaram uma série de números que, em vez de esclarecer,
provocaram dúvidas sobre o futuro da reforma agrária no governo Dilma.
Os dados, coletados no final do ano passado pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revelam que 38% do total de 924
mil famílias já instaladas em assentamentos da reforma agrária no
Brasil não conseguem obter com seu trabalho sequer um salário mínimo por
mês.
Os números também apontam que a pobreza se concentra de maneira
dramática nas regiões Norte e Nordeste: do total de 38% de famílias em
condições de pobreza nos assentamentos, 95% se encontram nessas duas
regiões.
O contraste pode ser melhor demonstrado na comparação entre dois
Estados. Enquanto no Ceará 47% dos assentados alcançam no máximo um
salário mínimo mensal e 27% não atingem sequer a meio salário, em Santa
Catarina 73% dos beneficiados pela reforma têm renda superior a dois
salários e 29% ultrapassam cinco salários.
A dúvida instalada no governo é se, diante desses números, vale a
pena continuar com a política de investir em novos assentamentos, como
reivindicam os movimentos de sem-terra e defendem especialistas do
Desenvolvimento Agrário. O que se ouve cada vez mais no Ministério do
Desenvolvimento Social é que se deveria seguir outro caminho, investindo
mais na melhoria do que já existe.
Inclusão. Por esse viés, os beneficiários da reforma
agrária, assim como os atendidos pelo Bolsa Família, já tiveram um
empurrão inicial para sair da miséria, com a concessão da terra, o
crédito inicial para a produção agrícola e a construção da moradia.
Precisam agora de ferramentas para andar com as próprias pernas, dentro
do conceito de inclusão produtiva, repetido de maneira cada vez mais
insistente entre os articuladores do programa de erradicação da miséria.
A equação não é simples - tanto pelas dimensões do problema quanto
pelas suas nuances. Embora os movimentos de sem-terra critiquem a
lentidão nos processos que envolvem a reforma, o Brasil tem um total de
8.763 assentamentos, que ocupam uma área de 76 milhões de hectares.
Nesse território, equivalente a 9% do nacional, vivem 3,7 milhões de
brasileiros, população maior que a do Amazonas, em torno de 3,5 milhões.
Dificuldades. De maneira geral, a situação dos
assentamentos não é boa. Segundo o Incra, 58% deles têm péssimas
estradas de acesso, o que dificulta o escoamento de qualquer tipo de
produção agrícola, e 56% não contam com redes de energia elétrica. Em
termos de escolaridade também não há nada para se comemorar: apenas 5%
dos agricultores assentados tem ensino médio completo.
Além das dificuldades gerais, os especialistas têm que considerar as
características específicas de cada região do País. Nos Estados do
Nordeste, que concentram 46% dos assentamentos, o maior problema é a
falta de água. Nas áreas do semiárido, a maioria deles não dispõe sequer
de conhecimentos e recursos para captar, armazenar e manejar a água dos
períodos de chuva.
Na região Norte, para onde foram levadas mais de 400 mil famílias
(43% do total), especialmente nos governos de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), os maiores
problemas são de acesso aos mercados consumidores. Em outras regiões, as
famílias necessitam de mais crédito para a produção agrícola e ainda
têm dificuldades para acessá-lo.
O que se viu, nas primeiras rodadas de debate no interior do governo,
é que, apesar da ênfase que se costuma dar à importância dos
assentamentos para a produção de alimentos e, consequentemente, para o
combate à miséria e à fome, muitos deles ainda fazem parte do problema -
e não da solução.
Surpreendentemente, durante uma reunião realizada dias atrás,
técnicos do Incra sugeriram que o principal foco de atuação da entidade
no novo governo seja prioritariamente a renda de produção e a
escolarização. Isso significaria, entre outras coisas, melhorar a
infraestrutura produtiva, fomentar a produção e apoiar a
comercialização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário