24 de novembro de 2010

MARILENA CHAUÍ AVALIA A GUERRA ELEITORAL

 A filósofa Marilena Chaiuí, professora da USP, fez uma avaliação do processo eleitoral em entrevista concedido ao Portal Carta Maior no dia 19 de novembro na qual ela demonstra que as estratégias do candidato Serra, sempre buscando a desconversa para não explicar o seu verdadeiro projeto político, cairam como castelos de cartas exatamente porque a população brasileira preferiu a comparação entre os candidatos mediante fatos concretos resultantes das políticas aplicadas pelo governo Lula. 

Portanto, nenhum dos discursos construídos a desmontar a ex-candidata, hoje president eleita, deu certo: os designativos de administradora inexperiente, guerrelheira, sombra do pesidente Lula, abordista, nada deu certo. Certo mesmo foi a vitória de Dilma.

Reproduso a referida entrevista a seguir:
Redação, no site da  Carta Maior
CARTA MAIOR: Qual sua avaliação sobre a cobertura da chamada grande mídia brasileira nas eleições deste ano? Na sua opinião, houve alguma surpresa ou novidade em relação à eleição anterior?
MARILENA CHAUÍ: Eu diria que, desta vez, o cerco foi mais intenso, assumindo tons de guerra, mais do que mera polarização de opiniões políticas. Mas não foi surpresa: se considerarmos que 92% da população aprovam o governo Lula como ótimo e bom, 4% o consideram regular, restam 4% de desaprovação a qual está concentrada nos meios de comunicação. São as empresas e seus empregados que representam esses 4% e são eles quem têm o poder de fogo para a guerra.
O interessante foi a dificuldade para manter um alvo único na criação da imagem de Dilma Rousseff: o preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou, então, para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula.
Isso me parece a novidade mais instigante, isto é, uma sociedade diretamente informada pelas ações governamentais que mudaram seu modo de vida e suas perspectivas, de maneira que a guerra se deu entre o preconceito e a verdadeira informação.
CM: Passada a eleição, um dos debates que deve marcar o próximo período diz respeito à regulamentação do setor de comunicação. Como se sabe, a resistência das grandes empresas de mídia é muito forte. Como superar essa resistência?
MC: Numa democracia, o direito à informação é essencial. Tanto o direito de produzir e difundir informação como o direito de receber e ter acesso à informação. Isso se chama isegoria, palavra criada pelos inventores da democracia, os gregos, significando o direito emitir em público uma opinião para ser discutida e votada, assim como o direito de receber uma opinião para avaliá-la, aceitá-la ou rejeitá-la.

Justamente por isso, em todos os países democráticos, existe regulamentação do setor de comunicação. Essa regulamentação visa assegurar a isegoria, a liberdade de expressão e o direito ao contraditório, além de diminuir, tanto quanto possível, o monopólio da informação.
Evidentemente, hoje essa regulamentação encontra dificuldades postas pela estrutura oligopólica dos meios, controlados globalmente por um pequeno número de empresas transnacionais. Mas não é por ser difícil, que a regulamentação não deve ser estabelecida e defendida. Trata-se da batalha moderna entre o público e o privado.
CM: Você concorda com a seguinte afirmação: “A mídia brasileira é uma das mais autoritárias do mundo”.
MC: Se deixarmos de lado o caso óbvio das ditaduras e considerarmos apenas as repúblicas democráticas, concordo.
CM: Na sua opinião, é possível fazer alguma distinção entre os grandes veículos midiáticos, do ponto de vista de sua orientação editorial? Ou o que predomina é um pensamento único mesmo.
MC: As variações se dão no interior do pensamento único, isto é, da hegemonia pós-moderna e neoliberal. Ou seja, há setores reacionários de extrema direita, setores claramente conservadores e setores que usam “a folha de parreira”. A folha de parreira, segundo a lenda, serviu para Adão e Eva se cobrirem quando descobriram que estavam nus.
Na mídia, a “folha de parreira” consiste em dar um pequeno e controlado espaço à opinião divergente ou contrária à linha da empresa. Às vezes, não dá certo. O caso do Estadão contra Maria Rita Kehl mostra que uma vigorosa voz destoante no coral do “sim senhor” não pode ser suportada.

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