22 de agosto de 2012

Movimentos Sociais unificam a luta pela Reforma Agrária


O Encontro Nacional Unificado dos Trabalhadores(as) e Povos do Campo, das Águas e das Florestas é uma ação planejada em conjunto com as organizações que lutam e representam os trabalhadores(as), povos do campos, das florestas e das águas. É uma reação diante da opção do governo federal em privilegiar o agronegócio latifundiário e negar os direitos dos seguimentos que se dedicam à produção de alimentos.


Leia o documento final do Seminário Nacional, o qual foi encerrado com uma marcha rumo ao Palácio do Planalto.

Por Terra, Território e Dignidade!


Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.
Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.
Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no campo.
Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.
Nós estamos construindo  a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.
A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.
Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização decommodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.
O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.
Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.
Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.
Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.
O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.
Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.
Diante disto, afirmamos:
1)       a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
2)      a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e  formas de produção e reprodução,  que marcam e dão identidade ao território.
3)      a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.
4)      a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5)      a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à  cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6)      a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7)      a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.
8)      a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora.  Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.
9)      a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador,  que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.
10)   a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.
Nos comprometemos:

1 a fortalecer as organizações sociais e  a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao  inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2    a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.
3    a fortalecer a luta pela reforma agrária  como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4    a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5    a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.
6    a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7    a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.
8    a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
9    a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.
10    a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11    a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais.  Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.
Brasília, 22 de agosto de 2012.

Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)
Associação das Mulheres do Brasil (AMB)
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CARITAS Brasileira
Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Comissão Pastoral da Pesca (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)
FASE
Greenpeace
INESC
Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Plataforma Dhesca
Rede Cefas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)
SINPRO DF
Terra de Direitos
Unicafes
VIA CAMPESINA BRASIL

29 de julho de 2012

Programas Habitacionais: importância para o desenvolvimento rural


A temática “Habitação rural no 7º Congresso da FETAEMA”. Este é título do meu artigo que será publicado no Jornal da FETAEMA no dia 1º de agosto, ocasião em que será iniciada uma nova gestão desta  entidade, para o quadriênio compreendido de 2012 a 2016. Trato, no referido artigo, da questão da habitação rural como uma política fundamental para a garantia da qualidade de vida no campo. Afirmo que os incentivos à produção rural familiar serão incompletos se não contemplarem investimentos na melhoria da qualidade da moradia no campo.

Leia o texto na íntegra:


Pela primeira vez a questão da habitação rural ganha destaque em um congresso da FETAEMA. Nesse sentido, os/as congressistas afirmaram através do Documento Base[1], p. 73, deste congresso que: “A dinamização da agricultura familiar (...) não requer apenas as políticas de crédito, assistência técnica e comercialização (...) é fundamental que haja investimentos na qualidade de vida em termos de melhoria da qualidade das moradias, através do acesso à política de habitação e saneamento”.
Esta afirmação tem fundamento na lida diária dos/das sindicalistas diante dos impactos negativos dos modelos de desenvolvimento pautados na urbanização e desvalorização do espaço rural. Assim, os planejadores e operadores das políticas de desenvolvimento centradas no agronegócio latifundiário não têm enxergado cidadãos e cidadãs sujeitos de direito à moradia digna.
O Maranhão tem o maior déficit habitacional do Brasil, 26,9% segundo estudos da Fundação João Pinheiro (2011). Em termos absolutos, o Maranhão precisa construir 434.759 unidades habitacionais, principalmente na zona rural.
Especificamente sobre as condições de moradia no território maranhense, o Documento Base em questão chama a atenção para um cenário formado basicamente de casas de taipa, situado no espaço rural e na maioria das pequenas cidades, sendo este um indicador que demonstra de maneira simples as condições de vida da população.
O cenário rural maranhense, constituído de casas de taipa, é, para os/as congressistas, “apenas uma das faces cruéis dos modelos de desenvolvimento adotados no Maranhão baseados na cerca do latifúndio. As moradias precárias entre a estrada e o arame farpado denunciam a teimosia dos governos em se posicionarem contra a reforma agrária.” (Documento Base, p. 73).  
Além disso, a falta de políticas públicas voltadas para apoiar a organização da produção das pequenas propriedades e das áreas conquistadas nas lutas pela reforma agrária corrobora para o avanço da pobreza no espaço rural maranhense, retratada perfeitamente nas condições das moradias descritas no parágrafo anterior.
Para não ficar apenas em uma descrição crítica do problema, na página 73 do Documento Base, a FETAEMA sublinha os dados do IBGE (2010), fazendo uma conexão entre a realidade vivenciada por milhares de agricultores(as) familiares e a pesquisa deste órgão:
“(...) o Maranhão concentra a maior quantidade de casas de taipa do país, cerca de 339.097, isso representa 23,53% dentre os domicílios. O Estado do Ceará é o segundo da fila com 3,9% (...). Por isso, a luta por moradia digna no campo a partir da ideia de erradicação das casas de taipa deve se constituir em uma das bandeiras do MSTTR”.
As péssimas condições de moradia e saneamento no meio rural foi objeto de discussões no contexto do Grito da Terra Brasil 2009, cujo tema compôs a pauta de reivindicação negociada com o Governo Federal. Neste ano foi criado um programa especifico em atenção às demandas do MSTTR, o PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural.
Conhecedores na importância da moradia digna para o fortalecimento e expansão da agricultura familiar, os/as congressistas do 7º Congresso da FETAEMA afirmaram que “(...) o MSTTR deve trabalhar no sentido de que o PNHR não se transforme em moeda política, pois, habitação rural é um direito do(a) cidadão(ã) assegurado na Constituição Federal”.  Além disso, o MSTTR do Maranhão decidiu participar da implementação deste programa organizando os grupos interessados e apresentando os projetos necessários para a construção de moradias no campo.
Nos termos das deliberações do 7º Congresso da FETAEMA, a participação do MSTTR na implementação do PNHR deve ser no sentido de dar bons exemplos, seja na qualidade das casas construídas ou nos processos de capacitação dos beneficiários(as).   Essa participação deve introduzir processos de articulação entre atividades produtivas e organizativas, fomentando o cooperativismo e o associativismo. A mesma ênfase deve ser dada à participação dos agricultores(as) em todas as etapas dos projetos de construção.
A luta pela organização de espaços de diálogos e de controle social do PNHR encontra-se entre as diversas deliberações do 7º Congresso. Nesse sentido, a FETAEMA pretende, no curso da implementação do programa, articular organismos governamentais e da sociedade civil para processos avaliativos e de monitoramento desta politica pública.
Nota-se, por fim, que a questão da habitação rural ganhou destaque na pauta politica do MSTTR do Maranhão, nucleada pela urgência de mudança das condições de vida da população a partir da implantação de um novo modelo de desenvolvimento, centrado na realização de uma reforma agrária ampla e no fortalecimento e expansão da agricultura familiar. Assim, a melhoria das condições de moradia dialoga permanente com a melhoria das condições da produção agrícola e não agrícola.


[1] Refiro-me ao Documento Base do 7º Congresso Estadual de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, realizado entre os dias 5 e 8 de junho de 2012. O Documento Base, depois de aprovado no congresso,  é composto do conjunto de ideias e deliberações norteadoras das ações do MSTTR nos próximos quatro anos.

11 de junho de 2012

Terra, Território e Sustentabilidade


O Programa Internacional de Bolsas de Pós-Gradução da Fundação Ford, lançou mais uma coletânea de artigos oriundos da produção acadêmica dos/das ex-bolsistas de mestrado e doutorado deste programa. A coletânea intitulada Terra, Território e Sustentabilidade é o oitavo volume da Série Justiça e Desenvolvimento/International Fellowships Program – IFP/Fundação Carlos Chagas.

Foram publicadas outras sete coletâneas temáticas da Séria Justiça e Desenvolvimento, a saber: Educação; Mobilização, Participação e Direitos; Estudos Indígenas: comparações, interpretações e políticas; Mulheres e Desigualdades de Gênero; Ambiente Complexo, propostas e perspectivas socioambientais; Acesso aos direitos sociais: infância, saúde, educação e trabalho; e, Relações Raciais no Brasil: Pesquisas contemporâneas.

A respeito da abordagem dos nove artigos reunidos na coletânea temática Terra, Território e Sustentabilidade, a obra é assim resumida em uma parte do seu prefácio:   “a despeito de sua diversidade, compartilham desse foco comum: o território como elemento identitário e agregador”.

Todas as coletâneas temáticas foram publicadas pela Editora Contexto, sediada em São Paulo.

17 de abril de 2012

O papel do Decreto 4887/2003 na Constituição Federal


Fonte: Fundação Cultural Palmares
Por: Daiane Souza

A garantia das terras ocupadas por remanescentes de quilombos é dever constitucional e compromisso do Estado. Protegido pelo Decreto 4887/2003, este direito se vê ameaçado por um julgamento que pode mudar aspectos da implementação da legislação quilombola do país. A apreciação do documento pelo Superior Tribunal Federal está agendada para esta quarta-feira (18) a partir das 14h.

A partir do Decreto 4887/2003 foram grandiosos os avanços para as comunidades rurais negras brasileiras no sentido de garantia de seus demais direitos constitucionais. O documento veio para detalhar e especificar as diretrizes administrativas para o que é previsto nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal:
“o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (Constituição de 1988).

Embora questionado pelo Partido Democratas por não ser uma lei, de acordo com especialistas, o Decreto que é juridicamente suficiente tem sua importância e eficácia reforçadas pela legislação que ampara a população negra no país. Otimista quanto ao resultado do julgamento, Eloi Ferreira de Araujo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), fala sobre os avanços garantidos pelo documento que também é apoiado pelo Estatuto da Igualdade Racial, segundo maior marco jurídico da história da população negra brasileira. Confira:

Ascom/FCP – Como a Fundação Cultural Palmares avalia a legislação em defesa da população quilombola brasileira?           

Eloi Ferreira – O Brasil dispõe de poucos marcos legais para proteção e promoção da cultura afro-brasileira, da cultura negra e, especialmente, da população negra. Em 1888, tivemos o primeiro grande marco legal que acabou com a escravidão e mudou o cenário nacional. Ocorre que aquela luta grandiosa, que tomou todos os cantos do Brasil, não conseguiu estabelecer os mesmos direitos que eram assegurados aos imigrantes europeus aos ex-cativos. Depois disso, somente em 2010 foi possível a sanção do Estatuto da Igualdade Racial que estabelece possibilidades que têm que ser apropriadas por toda a nação, tendo em vista a construção da igualdade de oportunidades e a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Ascom/FCP – Qual o papel do Decreto 4887/2003 na legislação brasileira?  

Eloi Ferreira – O Decreto é o que regulamenta o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, hoje regulamenta também o Artigo 34 do Estatuto da Igualdade Racial, que dispõe sobre o direito dos remanescentes de quilombos terem suas terras tituladas e reconhecidas. Esse é um decreto cidadão, que vem no sentido de reparar um pouco do ocorrido durante os 380 anos de escravidão da população negra. Ele busca a construção de um ambiente de igualdade entre negros e não negros e, ao mesmo tempo, tem o papel de amenizar o sofrimento em torno do que houve ao longo dos séculos a essa população em decorrência das consequências da abolição. O Decreto 4887/2003, agora recepcionado pelo Estatuto, tem as condições de avançar para a proteção das comunidades remanescentes de quilombos que com a sua cultura e sua resistência são os herdeiros de toda a história da formação da identidade nacional.

Ascom/FCP – Em oito anos de sanção do Decreto 4887/2003 o que foi possível em termos de atendimento às comunidades quilombolas?      

Eloi Ferreira – Foram feitas muitas coisas. Pelo menos 1.820 comunidades quilombolas foram certificadas, 121 foram tituladas a partir da certificação e 149 relatórios técnicos de identificação e delimitação e inúmeros processos em andamento. Nesse sentido, é possível dizer que a implementação do Decreto 4887/2003 está em andamento, mas os resultados produzidos por ele precisam ser apropriados por todo o Estado brasileiro tendo em vista reparar a dívida que tem para com a população negra.

Ascom/FCP – É possível dizer que o Decreto 4887/2003 e o Estatuto da Igualdade Racial se complementam? De que maneira?         

Eloi Ferreira – O Decreto 4887/2003 é um documento eficaz e reforçado pelo Estatuto da Igualdade Racial que é um documento estruturante no quadro jurídico nacional para a consolidação da equidade.

Ascom/FCP – Comente sobre a ação contra a constitucionalidade do Decreto 4887/2003:

Eloi Ferreira – Essa ação trabalha dois vieses: algumas análises dão conta da preocupação racista que ainda está presente na sociedade brasileira, ou seja, a questão racial ainda não foi resolvida. Outras se debruçam sobre a questão das terras no sentido de que querem ofender a territorialidade da comunidade negra. No caso das áreas ocupadas pelas comunidades quilombolas certificadas, elas ocupam menos de 1% do que é propriedade de cerca de cinco grandes latifundiários nacionais. A ação ofende a população negra brasileira, os tratados internacionais e não leva em consideração que a população negra brasileira não recebeu o mesmo tratamento que a população não negra no processo de construção do Estado, do desenvolvimento do capitalismo nacional. É evidente que é o Estado quem deve reparar essa dívida e esta ação quer impedir que a reparação ocorra para que o Brasil seja de fato um país democrático. Ninguém bate no peito dizendo que é racista, mas uma decisão como esta ofende a uma população que já foi muito ofendida na sociedade.

Ascom/FCP – No pior cenário possível, a anulação ou alteração negativa do Decreto 4887/2003 comprometeria o que estabelece o Estatuto da Igualdade Racial no que diz respeito à população quilombola?         

Eloi Ferreira – Não trabalho com essa possibilidade, porque o Estatuto da Igualdade Racial é uma lei, a primeira desde o fim da escravidão no país. Ela veio para proporcionar a construção da igualdade de oportunidades e essa lei é rigorosa, foi aprovada por maioria de votos e ela não será ofendida. Assim acredito, assim como creio que o Decreto também será acolhido pela mais alta corte de justiça do nosso país.

Ascom/FCP – De que maneira a Fundação Cultural Palmares tem participado da mobilização a favor do Decreto 4887/2003?    

Eloi Ferreira – A Fundação Cultural Palmares tem se empenhado em dialogar com a Advocacia Geral da União, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, bem como com todos os atores do Governo que atuam nessa área. Ao mesmo tempo promove o diálogo com a sociedade civil por meio das organizações e representantes das comunidades remanescentes de quilombos. O objetivo é dialogar com todos, buscando encontrar o caminho para se preservar e assegurar os direitos dessas comunidades em nosso país.

Ascom/FCP – Outras considerações? 

Eloi Ferreira – O Brasil vive hoje um momento muito especial. É a sexta economia do mundo e que ainda tem temas muito fortes para tratar e resolver como a erradicação da miséria e do analfabetismo. Esses dois problemas acometem a população negra de uma forma muito perversa e já são prioridades nos programas do Governo da presidenta Dilma Rousseff. Nosso desejo é que todos os 97 milhões de pretos e pardos assim autodeclarados tenham acesso em igualdade de oportunidades aos bens econômicos e culturais produzidos no nosso país e não a presença nas favelas, presídios e nas funções menos qualificadas. As manifestações culturais afro-brasileiras precisam ser respeitadas, protegidas, difundidas e reconhecidas como formadoras da identidade nacional, mas nosso maior desejo é de uma sociedade mais democrática, onde pretos, pardos, indígenas, ciganos e não negros caminhem unidos pelo desenvolvimento de um país mais justo.

25 de março de 2012

Anúncio de morte em tempos de conferências de ATER


Reporto-me, neste artigo, às conferencias Estadual e Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural e acerca da possibilidade de extinção da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Estado do Maranhão.

Foi realizada nos dias 22,23 e 24 de março/2012 a 1ª Conferência Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Maranhão – 1ª CEATER. Este evento é preparatório à 1ª Conferencia Nacional - 1ª CNATER - que ocorrerá, em Brasília, no período de 23 a 26 de abril do em curso. 

A 1ª CNATER tem como objetivo geral propor diretrizes para o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PRONATER. O tema central é ATER para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária e o Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural.

As conferências estão sendo realizadas em um contexto de discussões intensas acerca da importância dos serviços de assistência técnica e extensão rural para o desenvolvimento sustentável e solidário do Brasil rural, e em como estruturar um serviço que efetivamente contribua para esse tão cantado e decantado desenvolvimento, considerando os princípios e objetivos de chamada Lei de ATER, a lei 12.188 de 11 de janeiro de 2010.

A realização de uma Conferência Estadual de ATER no Maranhão vem sendo pautada nas reivindicações do Movimento Sindical de Trabalhadores/Trabalhadoras Rurais e de outros movimentos sociais desde a década de 1990 quando, no contexto da crise que aniquilou o Sistema de Assistência Técnica e Extensão Rural do Brasil, o governo do Estado do Maranhão, de uma só canetada, extinguiu todo o sistema de apoio à agricultura do Estado.

A 1ª CEATER pautou-se na discussão de cinco eixos temáticos, para os quais foram formuladas propostas, tendo em vista o fortalecimento da Assistência Técnica e Extensão Rural pública governamental e não-governamental. Nesse sentido, foram abordados novos e velhos temas: Ater para o desenvolvimento rural sustentável; Ater para a diversidade da agricultura familiar e a redução das desigualdades; Ater e políticas públicas; Gestão, financiamento, demanda e oferta de serviços de Ater, e Metodologias e abordagens de Ater.

A 1ª Conferência Estadual de ATER – 1ª CEATER, além de ter se constituído em uma arena na qual as concepções de Ater e de desenvolvimento foram debatidas, tornou-se um espaço de reencontro de extensionistas rurais que acreditam na possibilidade de construção de uma política e uma governança capaz de enxergar os agricultores/agricultoras familiares fora das filas do assistencialismo.

Tive a oportunidade de reencontrar, na 1ª CEATER, colegas que engrossaram as fileiras das lutas empreendidas no final da década de 1980 contra o sucateamento da EMATER-MA. Todos/todas continuam firmes no propósito de retomar a assistência técnica no campo maranhense, inclusive lideraram e coletaram assinaturas para uma moção de apoio à realização de concurso público e a formulação de um plano de cargos e carreira para os trabalhadores(as) da ATER. O último concurso ocorreu em 1987.

Na contramão dessas discussões aparece, como anúncio de morte, a possibilidade de extinção da SEDAGRO. Tema que nem de longe vou abordado na 1ª CEATER porque parecia algo inimaginável em contexto de discussões fecundas acerca do fortalecimento do Sistema Estadual de Agricultura Familiar (SEDAGRO, Iterma, Agerp e CEDRUS).

Pois bem, o Blog do jornalista Décio Sá, ligado ao Sistema Mirante, informa que a Governadora “Roseana prepara mudanças no governo”, segundo o autor, diversas mudanças estão sendo planejadas para final deste mês, dentre as quais, a fusão da Secretaria de Desenvolvimento Social com a SEDAGRO, na sua percepção para o surgimento da Supersecretaria de Combate à Pobreza”. O supersecretário seria o ex-presidente da Antaq, Fernando Fialho.

Em 1998 a Governadora fez uma reforma administrativa parecida com essa que se avizinha. Na referida reforma o setor agrícola foi o mais prejudicado, foram extintas a Secretaria de Agricultura – SAGRIMA e todas as instituições vinculadas (EMATER-MA, Companhia de Mecanização Agrícola, Companhia de Abastecimento, Empresa de Pesquisa Agropecuária, Companhia de Defesa Sanitária Animal e Vegetal). A agricultura familiar foi jogada na Secretaria de Assistência Social, a supersecretaria daquele ( novo ) tempo.  

Não é demais relembrar que, quando o sistema estatal de apoio à agricultura do Maranhão foi extinto, nos espaços governamentais, na sociedade civil e na academia discutia-se a importância do fortalecimento econômico da agricultura familiar e sua potencialidades em uma nova perspectiva de desenvolvimento com sustentabilidade, ocasião em que foi criado, pelo Governo Federal, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, como linha de financiamento da produção e da infraestrutura de apoia a esta.

No contexto da criação do PRONAF, a Assistência Técnica e Extensão Rural foi reafirmada como serviço essencial para dar vigor econômica à agricultura familiar.

Em plena efervescência dos debates sobre a consolidação de Sistemas Estaduais e Nacional de ATER, reaparece a possibilidade extinção do Sistema Estadual do Maranhão, que nem alcançou a adolescência.

Como bem nos ensinou Karl Marx, "a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Será?

Por essa ninguém esperava.